Em meio à rotina atribulada da prática médica, com consultas rápidas, sobrecarga assistencial e pressão econômica imposta por operadoras de saúde, muitos colegas acabam por subestimar um dos pilares mais poderosos da medicina: a comunicação. Não são raros os casos em que médicos respondem a sindicâncias, processos éticos e até demandas judiciais, não por imperícia, imprudência ou negligência técnica, mas por falhas no diálogo, na escuta e no alinhamento de expectativas com seus pacientes.
Este artigo traz uma reflexão urgente, sustentada no Código de Ética Médica e no Código de Processo Ético-Profissional (CPEP). A proposta é clara: demonstrar como a boa comunicação não apenas qualifica a assistência, mas também constitui um instrumento robusto de proteção ética, jurídica e patrimonial para o médico.
O Que Dizem o Código de Ética Médica e o Código de Processo Ético-Profissional
O Código de Ética Médica não deixa dúvidas. Comunicar-se de forma clara, respeitosa e compreensível não é mera gentileza, mas obrigação legal e ética. O artigo 34, por exemplo, veda ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo em situações excepcionais. O artigo 87 reforça que o médico responde por omissão de informações relevantes ou pela condução de práticas que não foram previamente esclarecidas.
No campo processual, a Resolução CFM nº 2.306/2022, que rege o CPEP, é categórica. Grande parte dos processos éticos se origina de alegações de quebra da confiança, sensação de abandono, falta de empatia ou de esclarecimentos insuficientes — não necessariamente de erro técnico. O processo ético não exige prova de dano material ou corporal; basta que se configure violação de dever ético, muitas vezes subjetiva aos olhos do paciente.
Por Que O Prontuário É Seu Maior Aliado Jurídico e Ético
De nada adianta ter feito uma explicação brilhante se ela não estiver adequadamente registrada. O prontuário médico transcende sua função clínica. Ele é, na prática, o principal documento de defesa do profissional frente a sindicâncias, processos éticos e demandas judiciais.
Anotações detalhadas sobre as informações prestadas, esclarecimento de riscos, recusas do paciente, orientações verbais e percepções do diálogo estabelecido devem constar de forma objetiva. Termos vagos, subjetivos ou incompletos fragilizam qualquer linha defensiva. Quando bem elaborado, o prontuário assume valor probatório robusto, capaz de demonstrar não apenas a correção técnica do ato médico, mas também o zelo no cumprimento dos deveres éticos, especialmente o dever de informação.
O Colapso da Consulta Médica: Pressões Econômicas Que Sabotam a Comunicação
O ambiente atual da saúde pública — gerida por interesses políticos — e, em muitos casos, também da medicina suplementar, impõe uma distorção estrutural que atinge diretamente a qualidade da comunicação médico-paciente. Remunerações aviltantes, especialmente em consultas de SUS e convênios, forçam o profissional a agendar atendimentos em intervalos cada vez menores para manter viabilidade financeira. Esse modelo, de natureza economicamente predatória, gera uma equação perversa: menos tempo, mais risco.
Para atender interesses políticos meramente eleitoreiros, os profissionais são forçados a fazerem um números estravagantes de atendimentos, com consequente redução do tempo de atendimento. Isso também afeta diretamente na qualidade da comunicação do médico com o seu consultante.
É ilusório imaginar que um diálogo qualificado e abrangente sobre diagnóstico, prognóstico, riscos e alternativas terapêuticas possa ocorrer em consultas de sete, dez ou até quinze minutos, sobretudo em casos complexos. A comunicação superficial não apenas fragiliza a assistência, mas expõe o médico a riscos éticos e jurídicos desproporcionais. Este cenário, muitas vezes negligenciado por entidades representativas e pelos próprios profissionais, precisa ser enfrentado com seriedade.
Dicas Práticas Para Blindar Sua Atuação Clínica Pela Comunicação
Ainda que o cenário externo imponha limitações, há condutas práticas que minimizam riscos. Uma delas é estabelecer, já nos primeiros minutos da consulta, um espaço de escuta ativa. Permitir que o paciente exponha suas queixas livremente, sem interrupções iniciais, melhora a qualidade das informações obtidas e reduz sensações subjetivas de negligência ou descaso.
Outro ponto crítico é checar, ao final de cada explicação, se o paciente compreendeu o que foi dito. Não basta transmitir a informação; é essencial garantir que ela foi absorvida. Frases como “O senhor entendeu o que expliquei sobre os riscos deste procedimento?” ou “Há algum ponto que não ficou claro?” devem fazer parte do roteiro de qualquer consulta.
Registrar no prontuário, de forma precisa, que foram discutidos riscos, benefícios, alternativas terapêuticas e eventuais recusas do paciente, fecha o ciclo de proteção ética. Quando aplicável, a formalização por termo de consentimento esclarecido, devidamente assinado, é uma camada adicional indispensável, embora não substitua o dever de comunicação verbal e registrada.
Comunicação Não É Acessório — É Dispositivo de Segurança Profissional
O médico que negligencia a comunicação subestima um dos principais pilares de sua própria segurança profissional. Em tempos de judicialização crescente da medicina, sustentada, muitas vezes, em percepções subjetivas de má conduta, investir em comunicação clara, empática e bem registrada não é luxo, tampouco idealismo — é estratégia defensiva concreta.
O modelo econômico predatório que suprime o tempo de consulta, aliado à cultura litigiosa, exige uma mudança de mentalidade. Valorizar o tempo do diálogo não apenas protege o paciente, mas sobretudo preserva o médico, seu patrimônio e sua reputação. Mais do que nunca, comunicar-se bem deixou de ser um ato complementar e passou a ser ato médico na acepção plena do termo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário