A sanção da Lei nº 15.176/2025 em 23 de julho de 2025, publicada no Diário Oficial da União, representa um marco jurídico no tratamento dos pacientes com fibromialgia. Pela primeira vez, essa condição crônica é equiparada às deficiências já reconhecidas pela legislação brasileira. Isso garante aos portadores o acesso a uma série de direitos até então negados. A norma entra em vigor em 180 dias e terá aplicação nacional. Para médicos, advogados e demais profissionais que atuam no campo das perícias médicas, a nova legislação impõe desafios técnicos e amplia o campo de atuação.
O reconhecimento jurídico da fibromialgia como deficiência
A nova lei insere a fibromialgia no rol das deficiências para fins legais, com equiparação de seus efeitos práticos às limitações funcionais e sociais observadas em outras condições já reconhecidas. Embora não altere a natureza clínica da síndrome — que permanece sendo classificada como uma condição sem base orgânica detectável em exames complementares —, a legislação modifica substancialmente o seu enquadramento jurídico. Pacientes agora poderão pleitear:
- Cotas em concursos públicos e seleções de emprego;
- Isenção de IPI, ICMS e IOF na compra de veículos adaptados;
- Aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, mediante avaliação pericial;
- Benefício de Prestação Continuada (BPC), no caso de baixa renda;
- Pensão por morte, em situações em que a incapacidade para o trabalho for comprovada.
Avaliação pericial e critérios funcionais
A concessão dos direitos dependerá de avaliação por equipe multiprofissional, cujo foco será o grau de limitação imposto pela síndrome. O perito deverá verificar não apenas a presença do diagnóstico clínico, mas sobretudo a repercussão funcional e social dos sintomas. Isso requer criteriosa análise do histórico clínico, evolução dos sintomas e impacto sobre as atividades da vida diária e laboral. Laudos genéricos ou baseados unicamente no relato subjetivo não atenderão aos requisitos legais, o que demanda atenção redobrada por parte dos profissionais de saúde e dos operadores do Direito.
Impacto na prática médica e pericial
O reconhecimento legal da fibromialgia como deficiência reforça a importância dos registros clínicos detalhados, da adoção de escalas funcionais padronizadas e da elaboração de documentos médicos com clareza e objetividade. Na seara pericial, a nova lei poderá aumentar a judicialização de pedidos, especialmente em casos limítrofes, nos quais a definição de incapacidade é discutível. Para o médico assistente, a responsabilização por atestados com conteúdo vago ou impreciso também se intensifica. Já para o perito judicial, será indispensável distinguir entre a mera presença da síndrome e o comprometimento funcional relevante, em consonância com a legislação vigente.
Nesse novo contexto jurídico, o assistente técnico pericial assume papel decisivo na abordagem do periciado com fibromialgia. Sua função transcende a mera observação do ato pericial: ele atua na análise crítica dos quesitos formulados, na identificação de omissões técnicas nos laudos e na formulação de contrapontos baseados em literatura médica e critérios legais. Ao acompanhar a entrevista e o exame físico, pode aferir se a conduta pericial respeita os princípios da imparcialidade, da fundamentação técnica e da dignidade do periciado. Em casos de condições subjetivas como a fibromialgia, onde a aferição da incapacidade depende de critérios funcionais e contextuais, a presença de um assistente técnico experiente torna-se essencial para resguardar os direitos da parte e assegurar que a perícia se mantenha dentro dos limites da ciência e da lei.
Avanço social e controvérsias técnicas
Embora a nova lei represente uma conquista simbólica para milhões de brasileiros que convivem com dores crônicas e invisíveis, ela levanta questões técnicas relevantes. Ainda não há diretrizes uniformes sobre os parâmetros de avaliação funcional, tampouco consenso sobre os critérios que balizarão a concessão dos direitos previstos. O risco de interpretações divergentes e decisões judiciais dissonantes é real. Caberá ao Poder Judiciário, ao INSS e às juntas médicas criar protocolos que assegurem justiça, previsibilidade e segurança jurídica.
A Lei nº 15.176/2025 inaugura uma nova etapa no reconhecimento da fibromialgia, com a sua deslocação da esfera exclusivamente clínica para o campo dos direitos sociais e previdenciários. Trata-se de um avanço importante, mas que impõe responsabilidade técnica a todos os envolvidos. Médicos, advogados e peritos deverão aprofundar o entendimento sobre a síndrome e seus desdobramentos legais, para que o reconhecimento da deficiência ocorra com justiça, critério e fundamento técnico robusto. O desafio agora é equilibrar o acolhimento legítimo aos pacientes com fibromialgia e a preservação da racionalidade pericial e jurídica.
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