A aplicação da inteligência artificial (IA) na medicina cresce em velocidade acelerada, o que desperta entusiasmo e preocupação entre profissionais e entidades reguladoras. Em resposta a esse cenário, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (CREMERS) publicou em março de 2025 a Resolução nº SEI-6, que estabelece diretrizes claras para o uso ético e responsável da IA na prática médica. Neste artigo, analisamos os principais pontos da resolução e avaliamos seu impacto direto no trabalho de médicos peritos, especialmente na elaboração de laudos e pareceres judiciais. A seguir, discutimos como aplicar a tecnologia de forma segura, técnica e conforme os preceitos legais e deontológicos.
A Resolução CREMERS nº SEI-6/2025: Princípios, Limites e Exigências
Editada em 12 de março de 2025 e publicada no Diário Oficial da União em 28 de maio de 2025, a Resolução nº SEI-6 disciplina o uso da IA na medicina. Essa tecnologia deve sempre atuar como ferramenta auxiliar, e jamais substituir a decisão médica. O texto defende a centralidade da pessoa humana, a supervisão médica obrigatória, e a transparência no uso dos sistemas de IA.
Alguns pontos centrais:
• Autonomia médica preservada: A decisão final é do médico, que deve manter responsabilidade plena.
• Consentimento informado: Se a IA for usada como elemento determinante na assistência, o paciente deve saber disso formalmente.
• Transparência e explicabilidade: O profissional deve conhecer o funcionamento da IA, seus algoritmos e limites.
• Proteção de dados pessoais: O uso deve estar conforme a LGPD, com responsáveis claramente definidos.
• Responsabilidade ética: O uso inadequado da IA pode configurar infração ética, caso fique demonstrada culpa profissional.
IA nas Perícias Médicas: Potencial de Apoio, Não de Substituição
Na prática pericial, a IA pode oferecer ganhos em produtividade e precisão, desde que usada de forma criteriosa. Sistemas podem ajudar na extração de informações de prontuários, na organização de cronologias clínicas, na sugestão de diagnósticos diferenciais e na identificação de inconsistências documentais.
Contudo, o laudo pericial permanece um ato médico exclusivo, que exige julgamento clínico, contextualização legal e responsabilidade individual. O perito deve interpretar dados à luz das normas jurídicas e dos critérios médico-legais, algo que ultrapassa a capacidade das máquinas.
Portanto, a IA pode auxiliar, mas não legitima conclusões automatizadas. A Resolução do CREMERS respalda essa distinção: a tecnologia deve servir ao profissional, não o substituir.
Correspondência Entre os Dois Temas: Ética, Técnica e Jurisprudência
O uso da IA no contexto pericial exige especial atenção a três eixos destacados pela resolução:
1. Supervisão humana constante – O perito deve entender como a IA chegou à sugestão ou análise, podendo justificar tecnicamente sua escolha de aceitá-la ou rejeitá-la.
2. Explicabilidade do sistema – Ferramentas opacas ou de caixa-preta não são compatíveis com o rigor exigido nos tribunais. A IA usada deve ter documentação técnica acessível, com rastreabilidade dos dados processados.
3. Sigilo e segurança da informação – O perito lida com dados sensíveis protegidos por sigilo legal. O uso de IA demanda softwares com estrutura compatível com a LGPD e mecanismos auditáveis.
O uso inconsciente, ou sem domínio técnico sobre o sistema, compromete a credibilidade do laudo, expõe o profissional à responsabilidade e enfraquece a validade pericial.
Dicas Práticas para o Perito Utilizar a IA com Conformidade e Segurança
1. Escolha ferramentas com responsável técnico médico
Evite sistemas genéricos ou sem respaldo institucional. Prefira ferramentas com estrutura validada e equipe médica na elaboração dos algoritmos.
2. Documente o uso da IA nos laudos
Se a IA contribuiu significativamente para a análise, mencione a ferramenta, o nome do sistema, seu criador/controlador e sua função exata no processo pericial.
3. Exerça domínio técnico sobre o software utilizado
Leia os manuais, entenda os parâmetros de entrada, algoritmos utilizados e limitações da ferramenta. Não utilize recursos que você não compreende completamente.
4. Nunca aceite conclusões automatizadas sem crítica médica
O parecer final deve ser construído pelo perito, mesmo quando houver sugestão da IA. O juízo de valor médico não é delegável.
5. Redija laudos com clareza sobre o papel da IA
Evite ambiguidades. Se a IA apenas auxiliou na organização de dados, diga isso. Se sugeriu hipóteses diagnósticas, destaque que foram avaliadas e validadas por critério clínico-humano.
6. Mantenha-se atualizado com as resoluções e normas do CFM
A regulamentação da IA está em evolução. Mudanças podem ocorrer com impacto direto no uso médico e pericial da tecnologia.
A Resolução nº SEI-6 do CREMERS representa um marco regulatório importante no uso da inteligência artificial na medicina. Para o médico perito, a norma oferece segurança, desde que seus preceitos sejam seguidos com rigor técnico e prudência ética. A IA pode ser uma aliada valiosa na rotina pericial, mas exige discernimento, conhecimento dos sistemas utilizados e responsabilidade redobrada. Em última instância, é o julgamento humano — técnico, ético e legal — que confere validade aos atos médicos no cenário judicial. O perito que souber integrar a tecnologia com maestria e critério distinguir-se-á não apenas pela eficiência, mas também pela confiabilidade de sua atuação.
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