A crescente judicialização da medicina no Brasil revela um problema que não está, majoritariamente, na técnica médica. A maior parte das ações judiciais contra médicos nasce não de falhas assistenciais graves, mas da ausência de registros precisos e da comunicação deficiente com o paciente. Numa era em que a prova documental se tornou indispensável, a atuação ética e competente por si só já não garante a segurança jurídica do profissional. O desafio contemporâneo é provar, com objetividade e respaldo técnico-legal, que todas as condutas foram adotadas de modo diligente. Nesse contexto, a advocacia preventiva mostra-se como ferramenta essencial para o exercício responsável da medicina.
A falsa sensação de segurança do médico clínico
Muitos médicos ainda acreditam que apenas os especialistas em áreas de risco, como obstetrícia e cirurgia plástica, enfrentam demandas judiciais com frequência. Essa premissa já não se sustenta. A medicina clínica, a emergência, a psiquiatria e até mesmo a atenção primária tornaram-se alvos frequentes, em especial quando há óbito, efeitos adversos ou descontentamento subjetivo do paciente ou da família. Médicos que cumprem todos os protocolos terapêuticos frequentemente se surpreendem ao serem processados por omissão de informações, falta de consentimento específico ou ausência de anotações adequadas no prontuário.
Documentar não basta: é preciso documentar corretamente
Um dos erros mais comuns é o preenchimento superficial do prontuário. Frases genéricas, ausências de datas e horários, linguagem subjetiva e falta de assinatura legível tornam o registro vulnerável à desqualificação. Além disso, termos de consentimento mal redigidos, sem especificidade sobre riscos, alternativas e prognósticos, são considerados inválidos em juízo. O que protege o médico não é a quantidade de documentos, mas a sua qualidade técnica, a coerência interna e o alinhamento com as normas éticas e legais.
A advocacia preventiva como instrumento de blindagem técnica
A consulta periódica com um advogado especializado em responsabilidade médica permite ao profissional revisar seus formulários, atualizar seus modelos de consentimento, treinar sua equipe para registrar corretamente e interpretar as normas em vigor. O objetivo não é criar um clima de desconfiança, mas fortalecer o exercício ético e transparente da medicina. Muitos litígios se tornam inevitáveis não pelo que o médico fez, mas pelo que não conseguiu demonstrar. A assessoria jurídica preventiva transforma a postura reativa em proativa, e isso reduz riscos e custos associados ao contencioso.
Treinamento da equipe e padronização de condutas
Não adianta o médico agir corretamente se sua equipe administrativa ou técnica age de forma desorganizada. Recepcionistas, enfermeiros e assistentes devem ser treinados para orientar adequadamente o paciente, registrar recusas, incidentes, reclamações e orientações. A ausência de um protocolo de atendimento padronizado pode ser interpretada como negligência institucional. A advocacia preventiva auxilia também na elaboração de manuais internos e fluxos de resposta a eventos adversos, que se tornam peças-chave na defesa futura.
Exercer a medicina com excelência técnica já não basta. Em um ambiente judicialmente hostil, é necessário adotar uma postura juridicamente estruturada. A consulta preventiva com o advogado deve ser encarada como parte da rotina do profissional de saúde que deseja atuar com segurança, ética e longe de litígios evitáveis. Documentar corretamente, comunicar com clareza e contar com assessoria especializada não são luxos, mas ferramentas essenciais à boa prática médica. Médicos que compreendem isso não apenas reduzem seus riscos legais, mas elevam o padrão do cuidado que oferecem.
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